Com Dilma, o Brasil perdeu força em política internacional?
Para especialistas, ausência da líder em debates internacionais estratégicos prejudica o país
A ausência do Brasil em debates internacionais estratégicos está se acentuando no governo Dilma e pode prejudicar a posição do país na comunidade internacional, de acordo especialistas ouvidos pela BBC Brasil.
Desde a substituição do ministro Antônio Patriota pelo atual chanceler, Luiz Alberto Figueiredo, o Brasil declinou um convite para participar da conferência de Genebra 2, que discute a crise na Síria, e também da Conferência de Segurança de Munique, fórum que reúne representantes das principais potências mundiais para debates sobre política de segurança, entre os dias 31 de janeiro e 2 de fevereiro.
Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas, é um dos principais críticos da política externa do governo Dilma e afirma que a diminuição da participação brasileira nos grandes debates internacionais ameaça "eliminar os ganhos importantes dos anos Lula".
"Não ir a Genebra 2 e a Munique, na qual o Brasil esteve presente no ano passado com o Patriota, tem consequências diretas. A primeira é que o Brasil não sabe o que está acontecendo, deixa de acompanhar de perto as questões internacionais", disse à BBC Brasil.
— O debate não é só sobre a Síria, mas sobre como a comunidade internacional lida com situações assim. Isso pode acontecer num país em que o Brasil tem fortes interesses econômicos, como Angola, e aí já se estabeleceram regras pra lidar com esse conflito das quais o Brasil não participou.
O chanceler Figueiredo declinou o convite para participar da conferência sobre a Síria, com a justificativa de que ficaria no Brasil para preparar a participação da presidente Dilma Rousseff na reunião do Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. O Itamaraty enviou seu secretário-geral, Eduardo dos Santos, a Montreux (onde foi realizado o início da conferência da Síria).
Em relação a Munique, o Ministério não justificou a ausência de um representante brasileiro.
— A gente vê uma posição passiva brasileira em todas as áreas. Não vemos o chanceler no debate público porque existe um processo de centralização do poder no Planalto e Dilma não dá a ele muita liberdade para se pronunciar sobre questões como a Síria, por exemplo. O chanceler não se engaja muito com a sociedade civil e isso não é só culpa do Itamaraty.
Questionado pela BBC Brasil, o Gabinete da Presidência disse que não responderia às críticas.
Já o Itamaraty enviou um e-mail à BBC dizendo que 'o Brasil sempre se faz representar em todos os organismos internacionais e privilegia sempre o diálogo nos foros e mecanismos multilaterais. A atuação brasileira nessas instâncias é pautada por princípios permanentes, que dão continuidade e consistência à política externa.'
A chancelaria afirmou ainda que a atuação da diplomacia brasileira segue "diretrizes e objetivos definidos conforme interesses nacionais" e ressaltou que "é um dos 12 países do mundo que mantêm relações diplomáticas com todos os demais membros da ONU".
Sem prioridade
"Se pegarmos todos os discursos que Dilma fez e mesmo o momento em que ela fez a troca do Patriota pelo Figueiredo, se percebe que a política externa sempre foi algo secundário no governo dela", diz a especialista em política externa brasileira da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Denise Holzhacker.
De acordo com ela, o governo Dilma adotou uma visão pragmática que prioriza as questões domésticas e, no plano internacional, as discussões econômicas nas quais o país tem interesse direto.
— O ganho (das ações de política externa) na visão da presidente tem que ser ligado a questões econômicas. Nessa lógica, participar de fóruns para construir soluções e consenso não parece tão interessante.
A visão da professora é compartilhada pelo especialista americano em política externa da América Latina Harold Trinkunas, da Brookings Institution, em Washington.
— 'O governo atual tende a ver a política externa como algo que deve servir às políticas domésticas.
O Itamaraty afirma que o Brasil "continua participando com protagonismo de grandes debates da agenda global que lhe dizem respeito" e contribui especialmente nos debates internacionais sobre questões de paz e segurança, desenvolvimento sustentável, direitos humanos e outras.
Holzhacker, no entanto, discorda:
— Mesmo em temas de direitos humanos o Brasil se manteve distante e da discussão ambiental também, apesar da Rio+20 e de outras conferências importantes terem acontecido na gestão Dilma.
"Medo"
Para os especialistas, um dos motivos pelos quais o chanceler Figueiredo teria pouca liberdade de atuação e de posicionamento seria o "medo" da presidente de que o posicionamento do Itamaraty sobre assuntos como a Síria pudesse, de alguma forma, ter um efeito indesejável sobre sua imagem em ano eleitoral.
"A política externa brasileira geralmente não impacta o debate das eleições, mas neste momento Dilma está tentando eliminar qualquer assunto que possa impactar negativamente a opinião pública em relação ao governo dela", afirma Stuenkel.
Para Trinkunas, as questões discutidas nas conferências na Alemanha e na Suíça tratavam de questões de segurança internacional, que seriam "pouco úteis para o governo Dilma sob a perspectiva doméstica e eleitoral, já que não envolvem diretamente o Brasil".
— O Brasil perdeu uma oportunidade de influenciar a discussão sobre os principais desafios globais do momento.
Mas em ano eleitoral, a retração diplomática brasileira sinaliza um rompimento com a estratégia da diplomacia dos anos Lula — que pretendia conseguir para o Brasil uma posição de protagonismo e um assento no Conselho de Segurança da ONU.
E segundo Denilde Holzhacker, ela pode ter também um impacto negativo na imagem de Dilma e do PT.
"Ao não participar do debate internacional, ela passa uma ideia de que tudo o que se fez durante o governo Lula foi só para gastar dinheiro e não priorizar os problemas internos. Essa percepção também não é benéfica. Ela reforça as críticas de que este é um governo que não tem uma direção", afirma Denilde Holzhacker.
Legado ameaçado
Segundo os especialistas, manter o excesso de cautela nos pronunciamentos sobre temas globais pode acabar erodindo a posição de destaque do Brasil nos fóruns multilaterais, caso a presidente se reeleja. 'Dilma está menos interessada em política internacional, o que limita a capacidade do Brasil de manter o nível de influência que Lula havia conquistado', diz o analista do Brookings.
Oliver Stuenkel afirma que o maior problema para o Brasil será a perda da confiança de seus parceiros internacionais, após um período em que o Brasil 'apareceu no mapa'.
— No final do governo Lula, não se podia mais falar sobre qual é o grande desafio global sem consultar o Brasil e procurar entender o que o Brasil achava. Mas isso certamente vai acabar porque um parceiro internacional precisa ser confiável. Não dá para ter um país que quer participar por oito anos e se retirar por mais oito e depois voltar.
Para Holzhacker, no entanto, o governo Dilma está correto ao não seguir à risca a política externa do governo Lula.
Segundo ela, o ex-presidente cometeu 'exageros' ao tentar fazer do país um interlocutor de questões complexas, como o impasse sobre o programa nuclear do Irã - na busca de apoio para um assento no Conselho de Segurança da ONU.
Por isso, a retirada do país de alguns debates é compreensível, mas o governo atual ainda não demonstrou objetivos claros em sua presença internacional.
— O grande exagero do governo Lula foi que abriu muitas frentes (de atuação). É o oposto do governo Dilma, que nem abriu novas frentes nem manteve as frentes tradicionais.
Espionagem
Mas se por um lado o país parece se distanciar das questões mais conflitantes e urgentes da geopolítica internacional, ele marcou presença na movimentação que se seguiu às denúncias de que o governo americano espionou vários chefes de governo, entre eles a própria presidente Dilma - além de ter acesso às comunicações de milhares de brasileiros.
Em abril, São Paulo sediará uma conferência global sobre os modelos de governança na internet.
Para os especialistas, o protagonismo brasileiro nessa questão — após — é positivo, mas parece uma aposta 'segura' de ação de política externa.
"Acho que a razão principal pela qual a Dilma tomou essa decisão foi que ela viu que isso tem um apelo junto à opinião pública e que ela poderia ser vista tomando liderança e defendendo a soberania nacional contra os Estados Unidos", diz Stuenkel.
Fonte: r7.com
Fonte: r7.com


Nenhum comentário:
Postar um comentário